segunda-feira, 24 de março de 2014

Ética a Nicômaco - A doutrina do meio-termo - Aristóteles

8. Em relação ao meio-termo, em alguns casos é a falta e em outros é o excesso que está mais afastado; por exemplo, não é a temeridade, que é o excesso, mas a covardia, que é a falta, que é mais oposta à coragem, e não é a insensibilidade, que é uma falta, mas a concupiscência, que é um excesso, que é mais oposta à moderação. Isto acontece por duas razões; uma delas tem origem na própria coisa, pois por estar um extremo mais próximo ao meio-termo e ser mais parecido com ele, opomos ao intermediário não o extremo, mas seu contrário. Por exemplo, como se considera a temeridade mais parecida com a coragem, e a covardia mais diferente, opomos esta última à coragem, pois as coisas mais afastadas do meio-termo são tidas como mais contrárias a ele; a outra razão tem origem em nós mesmos, pois as coisas para as quais nos inclinamos mais naturalmente parecem mais contrárias ao meio-termo. Por exemplo, tendemos mais naturalmente para os prazeres, e por isso somos levados mais facilmente para a concupiscência do que para a moderação. Chamamos, portanto, contrárias ao meio-termo as coisas para as quais nos sentimos mais inclinados; logo, a concupiscência, que é um excesso, é mais contrária à moderação. 9. Já explicamos suficientemente, então, que a excelência moral é um meio-termo e em que sentido ela o é, e que ela é um meio-termo entre duas formas de deficiência moral, uma pressupondo excesso e outra pressupondo falta, e que a excelência moral é assim porque sua característica é visar às situações intermediárias nas emoções e nas ações. Por isso, ser bom não é um intento fácil, pois em tudo não é um intento fácil determinar o meio – por exemplo, determinar o meio de um círculo não é para qualquer pessoa, mas para as que sabem; da mesma forma, todos podem encolerizar-se, pois isso é fácil, ou dar ou gastar dinheiro; mas proceder assim em relação à pessoa certa até o ponto certo, no momento certo, pelo motivo certo e da maneira certa não é para qualquer um, nem é fácil; portanto, agir bem é raro, louvável e nobilitante. Quem visa ao meio-termo deve primeiro evitar o extremo mais contrário a ele, de conformidade com a advertência de Calipso: “mantém a nau distante desta espuma e turbilhão.” De dois extremos, com efeito, um induz mais em erro e o outro menos; logo, já que atingir o meio-termo é extremamente difícil, a melhor entre as alternativas restantes é, como se costuma dizer, escolher o menor dos males, e a melhor maneira de atingir este objetivo é a que descrevemos. Mas devemos estar atentos aos erros para os quais nós mesmos nos inclinamos facilmente, pois algumas pessoas tendem para uns e outras para outros; descobri-los-emos mediante a observação do prazer ou do sofrimento que experimentamos. Isto feito, devemos nos dirigir resolutamente para o extremo oposto, pois chegaremos à situação intermediária afastando-nos tanto quanto possível do erro, como se faz para acertar a madeira empenada. Em tudo devemos precaver-nos, principalmente contra o que é agradável e contra o prazer, pois não somos juízes imparciais diante deste. Devemos sentir-nos em relação ao prazer da mesma forma que os anciãos do povo se sentiram diante de Helena, e repetir em todas as circunstâncias as suas palavras, pois se o afastarmos de nós é menos provável que erremos. Em resumo, é agindo desta maneira que seremos mais capazes de atingir o meio-termo. Mas, sem dúvida, isto é difícil, especialmente nos casos particulares, porquanto não é fácil determinar de que maneira, e com quem e por que motivo, e por quanto tempo devemos encolerizar-nos; [a] às vezes nós mesmos louvamos as pessoas que cedem e as chamamos de amáveis; [b] mas às vezes louvamos aquelas que se encolerizam e a chamamos de viris. Entretanto, as pessoas que se desviam um pouco da excelência não são censuradas, quer o façam no sentido do mais, quer o façam no sentido do menos; censuramos apenas as pessoas que se desviam consideravelmente, pois estas não passarão despercebidas. Mas não é fácil determinar racionalmente até onde e em que medida uma pessoa pode desviar-se antes de tornar-se censurável (de fato, nada que é percebido pelos sentidos é fácil de definir); tais coisas dependem de circunstâncias específicas, e a decisão depende da percepção. Isto é bastante para determinar que a situação intermediária deve ser louvada em todas as circunstâncias, mas que às vezes devemos inclinar-nos no sentido do excesso, e às vezes no sentido da falta, pois assim atingiremos mais facilmente o meio-termo e o que é certo.

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